SINOPSE:

Quantas coisas podem surgir na próxima esquina da vida? Quantos sonhos despertarão quando a sombra do passado voltar a surgir? Mas cuidado nem tudo é perfeito. Existem lacunas na mente que podem fazer uma pessoa desabar.


Eu prometo evitar lugares escuros, mas se tivermos que atravessar um lugar assim, pegue em minha mão que juntos alcançaremos a esquina seguinte.





domingo, 21 de fevereiro de 2010

2º Capítulo.

As luzes que entraram naquela tarde pela varanda iluminaram uma pele morena curtida de sol. Fazia tempo que Candija nao se permitia um bom banho de mar. Estava afundando em trabalho. Tinha contas a pagar como qualquer um. Olhava ps papéis em cima da mesa de jantar, um apilha de papéis, com números, tantos números, desesperador. Era essa a primeira impressão que ela passava: A de que gastava mais do que recebia, com futilidades. Entretanto isso não é bem verdade. A verdade é que com seu marido desempregado e viciado em jogos as coisas tinham ficado fora de controle.
Candija nunca o amara. Aquele homem era estranho. Andava pela casa derrubando os móveis. Rasgava suas plantas e bebia. Como bebia, o desgraçado. Casara por dinheiro. Sim, por dinheiro. Sejamos sincero. Candija vinha de uma familia pobre, descendentes de espanhóis, sua mãe era cigana como sua vó, as advinhações mal davam para a comida. Quando Pedro apareceu naquele bar que ela trabalhava, tratou-se de se ajeitar. Escovou os dentes. Retocou o batom. E desprendeu o cabelo lindo, de um brilho intenso, com aquele cheiro de melancia, que sentia-se ao longe. E foi pra luta, minha filha! De todo, acabou que não foi em vão o esforço da moça. Convenhamos, se você for inteligente pode tirar alguma vantagem do sacrifício. Foi o que Candija fez. Tinha 17 anos quando foi morar com Pedro. E ele pagou os seus estudos. Sua faculdade. Então, quando Pedro começou a perder tudo com suas apostas, ela já estava trabalhando num jornal local. Acho que o que a prende a esse sujeito é a gratidão. Mas vamos adiante...Aos vinte e um anos ela conheceu um novo sentimento. Estava no sexto período de jornalismo quando foi apresentada a um escritor que recentemente se tornara famoso. Nao assim de carne e osso. Conheceu-o em tinta e papel, o que acabara mas perigoso. Encantou-se com seus escritos, tocada a cada frase que lia, e era incrível como sentia-se parecida com ele. A faculdade estava apertando. O que acabara forçando-a a deixar um pouco suas leituras de lado. Menos as dele que as consumia toda. No onibus, no caminho para o trabalho, em seu curto horário de almoço, de volta pra casa. Se essas loucuras de amor pudessem ser ponderadas nao seria amor, seria?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

1º CAPÍTULO

Não sabe bem por que dera a pensar naquilo outra vez. Coisa mais descabida de se pensar! Pela idade já devia ter assentado esses devaneios. Ninguém o conhece nesta cidade. Tinha se preocupado com isso por muito tempo, então que se dane o mundo ao seu redor. O passado é dele, a ninguém pertence. Olha a janela por onde entrava um pouco do vento que havia se esquecido dele naquela noite e repara pela primeira vez em seis anos, no que certamente algum inquilino anterior havia rabiscado na parede em cima da janela. Foi ate lá. Leu a frase em esferográfica azul: “ Nesta vida, deixe tudo em bom estado antes de morrer. “
Abriu um sorriso. Saíra de sua poltrona e fora até a janela para ler tamanha asnice? Porque ele moveria um dedo si quer para organizar qualquer que fosse a bagunça que havia feito na vida ate ali? Já estava velho. Já vivera o suficiente. Já era o suficiente. Era ilógico ter chegado aos quarenta e seis anos sem um arranhão. Voltou a sentar. Desta vez em frente ao computador. Notou que a droga da frase rabiscada, o havia feito esquecer a coisa. Muito bom mesmo. Enter. A página abriu.
Posso dizer que dois dias se repetiram para aquele homem. Dois dias idênticos dentro daquele apartamento. O despertar. A surpresa de constatar que aquilo ainda estava ali inteiramente intacto. Depois o rabisco em cima da janela. O esquecer a coisa. Depois de frente ao computador. Enter. A página aberta.

Era um quarta feira quando resolve descer. Não tinha mais pão. O leite azedara. Faltava vinho. A coisa iria ali com ele cabisbaixa e pensativa.
-- Bom dia doutor-- apressou-se o porteiro ao vê-lo saindo do elevador.
Ele nada respondeu. Olhou-o secamente e saio do prédio. Deu de cara com a sua vizinha. Fernanda. A moça esperou que ele esboçasse alguma reação. Afinal havia notado como ele a olhara na ultima vez que se viram.
Ele nada falou. Parecia sonolento. A coisa estava andando depressa e era preciso a acompanhar.
Comprou mais do que o habitual. Dez pães ao invés de seis. Dois litros de leite ao invés de um. Quatro garrafas de vinho ao invés de uma. E lembrou-se do queijo dessa vez.
-- Vai pagar com cartão senhor?-- perguntou-lhe o balconista.
Fez que não com a cabeça e mostrou o dinheiro na carteira. Estava economizando palavras. A coisa sorriu quando ele se contraiu de novo. A mesma contração abdominal que o fazia ter medo de deitar, porque era a hora que tudo parecia piorar.
Na segunda esquina, de volta ate o prédio onde morava, resolveu que seria bom ter flores na sala. Já cansara das flores de plástico. Queria algo vivo. Refez o caminho de dois quarteirões ate o supermercado. A floricultura ficava ao lado. O monstrengo o olhava impaciente. Vinha tendo aquelas alucinações desde que seu remédio acabara. E estava cada vez pior. -- Flores por favor-- Sua voz saíra arrastada, quase inaudível. Vermelhas, ok?-- A moça notando que ele suava em demasia e fazia caretas nervosas, contraindo um lado do rosto, apressou-se em despachá-lo. -- Pronto senhor. Senhor esta passando mal?-- Eu estou bem.-- gritou arrancando o arranjo da mão da moça e partindo. O que era aquilo meu Deus? Tudo de novo? Iria começar tudo de novo?
Largara um bom emprego de revisor chefe numa editora de sucesso, tinha parado de escrever nos jornais, abandonara o projeto do seu terceiro e tão esperado livro, por causa disso. E tinha aquele outro lance também que ele não gostaria de admitir jamais. O lado negro da força. Sorriu e pensou plagiando Star Wars.
Atravessou ligeiro a avenida. Procurou seu reflexo nas vitrines das lojas. Estava em péssimo estado. Literalmente acabado. O que é isso? Esfregou os olhos. Talvez tivesse se enganado. Não. Era Aquilo que segurava a outra alça da sacola de flores. Era esse o peso extra que ele carregava pra casa. Balançou a sacola e a imagem hedionda desapareceu. Ligaria para o farmacêutico. Encomendaria o remédio de novo. Embora sem a receita lhe custasse o dobro do preço. Embora seu dinheiro já estivesse no fim.